sábado, 7 de novembro de 2015

Ler o passado ajuda a construir o futuro



Há alguns escritores que nos aconselham a ler os clássicos. Professores, jornalistas e educadores em geral também têm feito isso de umas décadas para cá. E por quê? Devido ao número reduzido de pessoas hoje que se dão ao trabalho de se debruçar sobre estas obras ditas clássicas.
Nas escolas seja de que nível for, principalmente no Brasil, quase não se incentiva a leitura dos clássicos, chegando mesmo a ser corrente a ideia de que são textos muito difíceis e inacessíveis à juventude de hoje. Claro que discordamos disso porque não podemos aceitar que cérebros do século XXI sejam inferiores aos cérebros do século passado ou de qualquer outro que nos antecedeu.
Assim, precisamos primeiro definir o que é clássico, expor algumas razões para a leitura dos mesmos e defender a ideia de que rechaçar o passado faz parte de uma ideologia que tem intenções específicas que visam a massificação mais forte da população mundial para um controle e manipulação determinados a serviço de interesses globais, apoiados por velhas instituições que não se renovam e querem manter-se no poder, custe o que custar.
 Não, não defendemos uma teoria da conspiração, porque isso é claro demais para fazer parte de lendas urbanas ou teorias conspiracionais de governos ocultos, até porque, nada há de oculto. Somente a ignorância é que dá a desculpa do oculto. Hoje, temos informações suficientes e disponíveis gratuitamente para que não se acredite em ideologias terroristas.
Este já é um dos argumentos em defesa da leitura dos clássicos: deixar de ser enganado e/ou manipulado por interesses escusos e mal intencionados. Mas o que é um clássico? É apenas uma obra antiga? Quanto tempo ela tem que ter de existência para ser considerada antiga? 15, 30, 50, 100 anos ou mais? E toda obra antiga é um clássico? Um clássico tem que ser considerado antigo (leia-se velho na linguagem de uma juventude desinformada)?
Ítalo Calvino, autor de Seis propostas para o terceiro milênio,  tem um curto mais elucidativo artigo em defesa da leitura dos clássicos no livro de mesmo nome - Por que ler os clássicos. Na realidade, ele relaciona 14 definições para o qualificativo "clássico" e a partir das definições está feita a defesa em prol de sua leitura. Eu sigo mais adiante, pois creio que a importância não fica muito clara apenas com a definição do que é um clássico, pelo menos para nós brasileiros, pelo menos para uma massa de leitores jovens que estão sendo enganados neste país.
Um clássico é uma obra fundamental para a construção do humano no ser. É comum dizermos que pertencemos a raça humana, mas não sabemos o que isso significa. É apenas um adjetivo para nos diferenciar da raça animal, pois nossa semelhança com todo bicho é mais que evidente, é genética. Logo, o que nos diferencia dos animais? O ser humano. E o que é ser humano? É pensar? Raciocinar? É possuir diversas inteligências?
Estudos de Biologia têm provado que muitos animais comungam conosco destas potencialidades. Os animais pensam, possuem inteligências, seu instinto é uma forma de racionalidade... enfim, o que realmente nos torna únicos como espécie? O ato de sonhar e criar, de poder mudar, modificar, a si mesmo e ao mundo em volta. A capacidade de melhorar a si e o ambiente, isto nos diferencia dos animais. E o que isso tem a ver com a leitura dos clássicos?
Uma obra clássica é uma obra de criação. A criação de um sonho. A observação de uma ou mais possibilidades de existir, de ser, de estar no mundo. E as obras clássicas são a nossa revelação, o nosso sonho, a nossa criação. Cada obra nos revela um pouco como seres cheios de infinitas possibilidades e deixar de ler estas  obras, de ao menos conhecê-las, é deixar de saber sobre si mesmo, sobre o nós humanos que somos. Uma obra clássica pode ser antiga, mas não é velha nem ultrapassada. Há autores novos, de produção recente, que já produziram obras que podemos chamar de clássicas. Eu cito apenas um de uma grande lista - José Saramago, autor de o Ensaio sobre a cegueira e Evangelho segundo Jesus Cristo.
Uma obra clássica traz em si uma atualidade que podemos dizer quase absurda, pois como um texto do século XVI ou mesmo de séculos antes do calendário oficial romano (A.C) pode ter tanta atualidade? Eu me refiro a Odisseia de Homero, a Hamlet/ Otelo de Shakespeare, a Peregrinação de Fernão Mendes Pinto ou mesmo a Dom Quixote de Cervantes. Em todas essas obras podemos ler o homem e a sociedade de hoje, suas angústias, suas contradições, seus problemas mais prementes. Nestas obras está presente o mesmo homem de hoje e é isso que (deveria) nos surpreende(r).
Uma obra clássica nos situa num contexto cultural. Somos seres políticos no sentido de convivência e relacionamentos sociais - da polis (cidade). E a criação cultural responde sempre a um processo de continuidade (evito o termo evolução, pois traz o conteúdo valorativo de melhor). Ou seja, uma obra se refere a outra que se refere a outra, que relê outra e assim por diante. Se alguém desconhece as obras que a antecederam pode cair no erro de desvalorizar a atual ou supervalorizar algo que não tem valor em si por ser mera repetição sem contexto, modismo, literatura intencional massificante.
Podemos definir uma obra clássica também usando o recurso dialético da negação. Um clássico não suscita emoções corriqueiras e banais, não faz chorar de modo apelativo, não aponta soluções fáceis, não esgota na página final do livro, não conta apenas uma história como uma notícia de jornal, não desaponta, não induz, não faz profecias infundadas globalizantes. Logo, podemos com essas não definições, descartar muitas publicações que estão sendo vendidas como:  os mais vendidos, os mais importantes, best sellers  ou o rótulo propagandístico que seja.
Poderíamos elencar 30, 50 ou mesmo 100 obras clássicas fundamentais da cultura ocidental e ainda seria pouco. Da literatura brasileira e portuguesa, seria fácil eleger pelo menos 50 obras que deveriam ser lidas ao longo dos 7 anos escolares quando se ingressa numa certa maturidade (6º ano fundamental ao 3º ano ensino médio). Isso garantiria, com certeza, uma boa formação aos ingressos no ensino superior, fosse para que área fosse.
Todavia, quando nós defendemos a leitura dos clássicos, defendemos a leitura integral, não adaptada, pois não se trata de saber uma historinha, um resumo de enredo, uma informação do que se trata e sim de ter a experiência do texto com sua dificuldade, sua linguagem, seu mistério. A experiência direta da fruição, acompanhada de professores ou tutores experientes e bem formados, produziriam, com certeza, uma boa leitura, inclusive, um prazer ainda desconhecido de nossos estudantes. Com isso, poderemos promover o crescimento, a maturação deles hoje, preparando-os realmente para a vida, disponibilizando a variedade para o bom exercício da escolha e estrutura para a continuidade de sua formação.
Umberto Eco, autor de o Nome da Rosa,  não só defende a leitura dos clássicos como a coexistência do livro físico com os eletrônicos. Ainda não chegamos ao estágio de adaptações rápidas e nossos olhos precisam talvez de alguns séculos para se habituar à leitura nestes meios sem maiores danos que os já conhecidos. Entretanto, é bom frisar: sempre existirão as obras que não estarão disponibilizadas nos meios contemporâneos, por diversos motivos. E para que não caiamos em nenhuma idiossincrasia fundamentalista, a manutenção de livros físicos nas bibliotecas, inclusive dos clássicos - pelo menos nas maiores - é essencial.
"Os clássicos são aqueles livros que chegam até nós trazendo consigo as marcas das leituras que precederam a nossa e atrás de si os traços que deixaram na cultura ou nas culturas que atravessaram (ou mais simplesmente na linguagem ou nos costumes)." 1
 Para terminar, não podemos aceitar a desculpa de que jovens não são capazes de ler as obras que os antecederam. Se isso acontece, é chegado o momento de questionar nossas escolas, com seus conteúdos e professores, didáticas e pedagogos. Um indivíduo não pode passar  9 ou 12 anos de sua vida e sair igual ou pior que entrou numa instituição que promete a formação e o crescimento de cada um. Não pode sair odiando toda leitura, seja clássica ou não. Sair sem conseguir realmente ler, seja o que for, conforme nos informam os dados de alfabetizados funcionais atualmente no país hoje.
 Não acredito na deformação ou na minoração da capacidade cerebral de nenhum indivíduo que tenha nascido saudável neste século. Aposto sim na falência de um modelo escolar pleno de ideologias e idiossincrasias, preocupado com o proselitismo e não com a formação de um cidadão pleno e consciente dos seus direitos e deveres, inclusive no que toca ao contexto artístico-cultural. E apoio minha reflexão com as dos filósofos Edgar Morin (A cabeça bem feita) e Pierre Bourdier (A economia das trocas simbólicas).
"Se consegui ver mais longe é porque estava sobre os ombros de gigantes."2

1. CALVINO, Ítalo. Por que ler os clássicos. Cia das letras, 1991. p11
2. HAWKING, Stephen. Sobre os ombros de gigantes. Elsevier, 2005, p.12.

por Cris Danois